Diante de um mundo em que pessoas com algum tipo de deficiência representam 15% da população mundial, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, e dessas 15%, 82% vivem na pobreza, em decorrência da falta de acesso à direitos básicos como a educação e a cultura, a idealizadora da Escola de Gente, Claudia Werneck, está correta em afirmar: “vivemos um delírio coletivo”.
Só para se ter uma ideia, no que tange ao universo da educação formal, a representatividade de pessoas com deficiência no Ensino Fundamental é de 3%. Esse número é ainda menor quando analisamos o Ensino Superior: meio por cento.
“Ou seja, para mudar o histórico de exclusão precisamos melhorar esses números e permitir que todos tenham acesso à educação”, analisa Rodrigo Hübner Mendes, fundador do Instituto Rodrigo Mendes.
Quando se trata do mercado de trabalho, as empresas enxergam as pessoas com deficiência com insegurança e sinônimo de risco. Como consequência, a contratação dessas pessoas se dá somente por conta da obrigatoriedade imposta pela Lei de Cotas para Deficientes e Pessoas com Deficiência (Lei Nº 8.213/91) – uma inclusão, que como aponta Ricardo Salles, fundador da Mais Diversidade, não é plena.
“O meio empresarial está ainda falhando na inclusão plena das pessoas com deficiência, já que elas ficam historicamente relegadas a trabalhos operacionais. Na pandemia, estes foram os primeiros trabalhos a serem cortados, o que acarretou um aumento do desemprego dessa população”.
O desafio base é, portanto, o acesso. Da infância à vida adulta, as pessoas com deficiência têm seus direitos negados vez após vez. E talvez a pergunta não seja “como incluir”, mas “como não excluir”.
De acordo com Mendes, a escola inclusiva, para dar um exemplo do universo da educação, é aquela que acolhe a todos e persegue altas expectativas para cada um. “Em outras palavras, estamos falando da escola que iguala oportunidades (no sentido de garantir direitos) e diferencia suas estratégias, ciente de que cada um aprende e se desenvolve de maneira particular”.
Isso implica um posicionamento político – individual e coletivo – pela e para a inclusão, porque como afirma Claudia, “não basta tratar as pessoas com deficiência com carinho. Muitas vezes, o carinho esconde a discriminação”. A inclusão só se torna possível quando individual e coletivamente como sociedade passamos a ter uma visão sistêmica que englobe as diversas dimensões e suas respectivas interdependências da deficiência. E como declara Mendes: “isso envolve considerarmos políticas públicas que assumam a premissa de que a preservação do exercício dos direitos precisa contemplar todos os segmentos sociais.”
Cultura acessível: um caminho para a inclusão
Como defende a Escola de Gente, do qual Claudia é idealizadora, “pessoas com deficiência são reais e têm urgência em contribuir com seus saberes para debates e decisões que as afetam nos sistemas nos quais estão inseridas: família, comunidade, nação, planeta.”
Trabalhar pela inclusão é, então, trabalhar pela garantia dos direitos humanos, e a acessibilidade pode ser considerada a ponte para um mundo que coloque a inclusão no centro do debate e das tomadas de decisão.
Mas como fazer isso na prática?
A Escola de Gente dá um direcionamento: por meio do engajamento de atores sociais da esfera cultural, de setores governamentais, das empresas, da sociedade civil e organismos internacionais – um trabalho que envolve incidência em políticas públicas, participação em conselhos de direitos, processos de qualificação na produção de conteúdos culturais e midiáticos, formação de multiplicadores.
Tendo como foco o direito à comunicação acessível, e como o vetor, a cultura, a Escola de Gente desenvolve metodologias, processos e soluções que promovem práticas acessíveis e inclusivas. Uma delas é o aplicativo Vem CA, Cultura Acessível: plataforma digital que conecta pessoas com deficiência a agendas de programação cultural que promovam algum tipo de acessibilidade.
“É possível pesquisar onde há espetáculos de teatro com intérpretes de língua de sinais. Decidir em quais exposições uma pessoa em cadeira de rodas pode circular com autonomia. Também escolher a sessão de um filme com audiodescrição, dentre outras possibilidades. Por um lado, produtores/as podem divulgar os seus projetos culturais com acessibilidade”, conta Claudia.
>> Faça o download do app de forma gratuita, na Apple Store ou no Google Play.
Por meio do Vem CA, o público – pessoas com deficiência e produtores culturais de todo o Brasil – tem a possibilidade de buscar e/ou cadastrar 12 tipos de atividades culturais: biblioteca, cinema, circo, dança, exposição, festas, festival, games, gastronomia, música, patrimônio histórico e teatro; e 12 recursos de acessibilidade disponíveis para a busca: assento acessível, audiodescrição/ guia acessível, banheiro acessível, elevador/rampa, gratuidade, legenda, Libras, Libras tátil, linguagem simples, piso tátil, publicações acessíveis e visita tátil.
Isabela Ipanema, de apenas 11 anos, relata: “Eu não enxergo, perdi a visão com três anos e meio. Eu e minha mãe tínhamos muita dificuldade de achar eventos culturais com acessibilidade. Depois de um tempo, nós achamos o aplicativo Vem CA, que ajudou muito, facilitou nossa vida. Muito obrigada por criarem canais tão legais assim”.
Claudia conta ainda que, em decorrência da pandemia e da paralisação dos eventos presenciais, em breve, será lançada a busca e o cadastro de eventos online, que prevejam pelo menos um tipo de acessibilidade comunicacional.
Economia Criativa: de mãos dadas com a inclusão, rumo ao desenvolvimento sustentável
O Festival Interarte: Economia Criativa, Interatividade e Arte, realizado em 21, 22 e 23 de abril, de forma virtual e disponível na íntegra no Youtube, surgiu para ampliar a visão sobre o setor cultural, artístico e criativo, e abrir um mapa de oportunidades – profissionais e de negócios – na Economia Criativa. E não poderia ser diferente: a temática da inclusão não ficou de fora do debate.
Claudia Werneck, Rodrigo Mendes e Ricardo Sales participaram da roda de conversa “A acessibilidade como propulsora da cultura e cidades inclusivas”. Acesse e confira!
Fica a reflexão iniciada pelo Festival e materializada em palavras por Rodrigo Mendes: “A Economia Criativa tem se mostrado um poderoso impulsionador da atividade econômica, tendo em vista a relevante contribuição que traz para a geração de emprego e renda ao país. No momento em que esse segmento da economia incorpora princípios de respeito e valorização das diferenças, passamos a ter a oportunidade de deslocar essa contribuição para um patamar ainda mais substancial em termos de desenvolvimento sustentável”.
Por Carol Gutierrez