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Histórias inspiradoras de pessoas que investiram na criatividade e empreenderam seus talentos.

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Karoline Violeira

a essência da música caipira

 

No sítio da família de Ana Karoline Beneditti Almeida, em Botucatu, interior de São Paulo, havia um pé de manga com um balanço, parecido com aqueles que ilustram contos bucólicos. Lá, a menina gostava de balançar e cantar bem alto, até que os vizinhos a escutassem. Como se não bastasse o balanço, seu outro passatempo era brincar com as galinhas. Conheça a história de Karoline Violeira. 

“Eu adorava cantar para elas e imaginava que eram a minha plateia. Eu jogava milho no chão e ficava cantando sobre um tronco. Quando elas começavam a se dispersar, jogava mais milho, até acabar o meu show”, sorri.

Sempre rodeada de música, a vida de Karol parece ter sido escrita em um livro de partituras. Na verdade, sua história até poderia ser contada numa moda de viola, daquelas acompanhada de boa prosa, causos e tradição. As primeiras estrofes descreveriam que Karol, no primeiro ano da escola, havia puxado a professora de música pela mão para dizer que queria ser cantora. Afinal, ela adorava as aulas de música!

Dessa época também, ela traz fortes e doces lembranças de seu avô paterno, José Beneditti, que a ensinou a gostar de música caipira e lhe deixou uma inestimável herança: vitrolas, coleções de fitas, discos de vinil, tudo do mais puríssimo repertório raiz.

“Ele me levava em seu quartinho e colocava os discos na vitrola. Lá, passávamos o domingo todo ouvindo música. No fim do dia, ele ia visitar os irmãos que moravam na vizinhança e eu sempre ia junto para brincar com meus primos e primas”, recorda Karol, que foi criada num sítio pelos avós e numa comunidade marcada pela religiosidade, festas, terços, novenas e procissões.

Além do avô Beneditti, sua avó materna também adorava música caipira. E para completar as tradições da família, os tios de Karol, antes de se casarem, costumavam fazer bailes na redondeza animados por sanfona e violão.

“A música caipira é a minha essência. Eu sou assim! Meus avós eram caipiras. Meus pais são. Na nossa comunidade, todo mundo é bem caipira e com muita tradição. Isso tudo já está nas minhas veias. Não é uma coisa que eu admiro ou que acho bonito. Ser caipira sertanejo é o que eu sou e procuro manter dessa forma”, orgulha-se.

Essa é a mesma relação que Karol tem com música.

A música significa tudo pra mim. Além de ser uma das coisas que eu mais gosto de fazer, hoje, ela é a minha profissão. De manhã, eu acordo e já começo a ensaiar e treinar. Depois, escuto e começo a tirar música. E estou sempre ouvindo novas músicas para agregar ao meu repertório”, aponta.

Tudo isso é tão natural em sua vida que, aos 13 anos, formou sua primeira dupla com Bárbara Viola e cantaram juntas de 2006 a 2007. Depois desse período, cantou sozinha durante um ano e, em 2008, formou outra dupla com a cantora Michelle, permanecendo assim até meados de 2017. Elas participaram de vários festivais e do programa Viola Minha Viola, ícone da música raiz, eternizado por Enezita Barroso.

“Até esse período, trabalhei numa padaria e também como metalúrgica, e fazia as minhas apresentações à noite e nos fins de semana. Mas era muito corrido, pois eu tinha necessidade de dividir o meu tempo entre estudos, trabalho, cuidar da casa, da família, e de tantas outras atividades. Muitas vezes, eu precisava treinar de madrugada ou praticar a viola no horário de almoço do trabalho. Era muito complicado, porém, eu sempre dava um jeito, pois a música sempre esteve entre minhas prioridades”, confessa.

Cansada dessa jornada intensa, Karol foi conversar com um amigo que trabalhava no Centro Max Feffer Cultura e Sustentabilidade, um equipamento cultural na cidade de Pardinho, perto de Botucatu, que valoriza e difunde a cultura raiz na região. “Fui pedir uma ajuda ao Sergião, coordenador do Centro, e perguntei se ele acreditava que eu conseguiria viver da música. A resposta foi bastante positiva e todos do “Max” me deram um superapoio”, lembra. E foi a partir desta conversa, que tomou decisão e começou a viver de música.

Apesar de algumas pessoas dizerem que largar tudo seria uma loucura, a violeira e cantora teve apoio de pessoas próximas, de seus pais e até mesmo de seu ex-chefe. Contou também com o auxílio do marido, com quem se casou nesse período, e segue nessa parceria compondo histórias de uma vida.

Eu tive um pouco de medo e insegurança, mas como eu vivia uma situação bacana e meu marido estava trabalhando, eu pensei que se largasse o trabalho, não haveria tanto problema. E aí arrisquei”, orgulha-se.

Na sequência, começou a dar aulas no próprio Centro Max Feffer. E foi ensinando, que seu interesse pela educação se despertou. Aí, ela fez licenciatura em Música, com o objetivo de dar aulas em escolas, além de poder se dedicar ainda mais aos estudos do violão, do canto, da viola, sempre reverenciando a música caipira.

No futuro também, ela gostaria de levar sua música e seu canto para todo o Brasil. “Só que sempre dessa forma, dessa minha maneira, desse meu jeito de tocar. Não sonho com grandes públicos e com muita mídia. Sonho é com esse povo simples, com o pessoal caipira que gosta desse estilo. Então, quero sim, ir para o Brasil inteiro, mas sempre caminhando nesses lugares”, conta.

Hoje, ela se vê como uma empreendedora. Não é só ser violeira, não é só ser cantora e nem só ser professora. A gente tem sempre que estar ali, se renovando para vender o nosso produto, postando um vídeo ou lançando coisas que chamem a atenção das pessoas para as aulas. É promovendo momentos em que nossos alunos se sintam bem, que chamamos novos alunos. Tem que ser empreendedora todo momento”, explica Karol, que confidenciava ter sofrido bastante para utilizar a tecnologia, mas tem certeza da importância das redes sociais, dos vídeos e das fotos para a divulgação dos trabalhos. “Já consegui muita coisa pela rede social. Participei do programa Viola Minha Viola porque me acharam pelo Facebook. Pela internet também, recebo muitos contatos de trabalho”, explica.

Para o futuro, ela espera muita coisa. Deseja continuar se aprimorando, acompanhada de seus ídolos como inspiração. “Preciso caminhar bastante, preciso estudar bastante. Quero continuar me desenvolvendo na questão do instrumento e do canto. Mas espero que um dia, assim como Inezita Barroso, Tião Carreiro e Tonico e Tinoco, encontre uma criança ou uma pessoa que se lembre de mim, do meu nome e reconheça algo que eu fiz dentro do contexto da música caipira”, sonha Karol. Por falar em ídolos, ela faz questão de citá-los: “Inezita, por ser mulher, me inspirar e ter aberto o caminho para mulheres artistas; Tião Carreiro e Pardinho, pelo trabalho com a viola e forma de cantar; Tonico e Tinoco, Leide e Laura, de quem sempre fui muito fã, e hoje, também, do violeiro Arnaldo Freitas, que é um grande instrumentista e uma pessoa em quem me inspiro na questão do instrumento”, conta.

Ainda sobre a Inezita, Karol reforça que, antigamente, o mercado de trabalho na área cultural, em especial na música raiz, era mais difícil e que a veterana desbravou estradas e “abriu as porteiras”. “Hoje, a tendência é que a participação feminina continue crescendo. Lá em Pardinho, eu tenho muitas alunas que tocam, cantam e têm se interessado pela música. Espero que um dia a gente se equipare à quantidade de homens. O nível já está igual”, comemora.

 

A Mulher no Pagode – Karoline Violeira
Composição: Batista dos Santos / Karoline Violeira
Apresentação no Programa Aparecida Sertaneja com Mariangela Zan

Em novembro de 2019, Karoline Violeira, seu nome artístico, lançou seu primeiro disco, intitulado Traço de Giz. Era uma coisa que há muito tempo eu sonhava. Foi um trabalho de quase um ano, começando na criação, passando pelo estúdio, até a parte mais burocrática. Trabalhei durante esse tempo todo, junto com o Gabriel Jacob, produtor musical, com o Chico Almeida, da Casa dos Caipiras, o Sergio Vieira, e com a Alex Marli, que é filha do Tião Carreiro. O lançamento das músicas foi durante o FESMURP – Festival de Música Raiz de Pardinho, um dos mais importantes do país”, comenta com entusiasmo.

Já no ano seguinte, com a pandemia de Covid-19, Karol viu seus shows presenciais minguarem e migrarem um pouco para o on-line. E se antes se dizia novata em redes sociais e tecnologias, a pandemia a fez deslanchar com produção de vídeos, posts, aulas on-line. Hoje, já se considera íntima!

Mas como ela mesma diz, “as coisas só acontecem quando Deus prepara”, ela engravidou no comecinho da pandemia. “Eu já queria ser mãe, mas não foi algo intencional. Então, minha filha veio num período em que eu podia ficar muito tempo em casa. Foi uma gravidez bem tranquila”, conta. Nesse período, ela compôs a música “Viola de Ninar”.

“Sabe esse negócio que dizem que mulher grávida fica mais sensível, pois é, procurava alguma música caipira que falasse dessa fase, que se parecesse comigo, com minha rotina, com meu jeito, mas não achei. Então, acabei escrevendo ‘Viola de Ninar’, que fala de uma violeira grávida. Nela, eu digo que imaginava que minha filha se mexia ouvindo minha viola e que ela sentia o meu amor por meio da vibração do instrumento”, detalha a artista. A canção virou clipe, com direito a participação do marido, e que também eternizou o lindo barrigão em vídeo.

Anaí Cecília chegou em 8 de janeiro de 2021 e, como esperado por sua mãe, mudou toda a sua rotina. Ela não conseguia nem mais ter tempo para se dedicar ao seu instrumento. Depois de um certo período, se recorda de um dia em que sua irmã foi fazer uma visita e ofereceu ajuda para cuidar da bebê. Foi aí que que conseguiu acarinhar sua viola e tocar um pouquinho. E foi como se isso desse forças para ela tocar o barco e seguir adiante. “Nessa hora, toquei a música ‘Viola cura o despeito’, que me aliviou bastante”, recorda-se.

Aí, aos poucos, começou a luta de voltar a ensaiar com a neném enquanto ela dormia, mas tinha que ser baixinho, bem diferente da letra de ‘Viola de Ninar’, em que a criança dormia enquanto a mãe tocava. Com o tempo, também retomou as lives (onde carregava Anaí), as gravações de vídeos e, depois de seis meses, até mesmo com as aulas noturnas, momento em que tinha com quem deixar sua filha.

Hoje, sua rotina já voltou quase ao normal, afinal, geralmente pode contar com apoio do marido ou da família para cuidar da bebê. ” Foi um período maravilhoso e de bastante adaptação, hoje, ela me acompanha em shows, adora música e até brinca de dançar catira comigo”, conta toda orgulhosa.

Mas as mudanças não pararam por aí: “Como eu fiquei mais tranquila, resolvi fazer uma pós-graduação em Regência Orquestral, pois sentia que eu precisava melhorar meu desempenho. Hoje, eu sou maestra. E já surgiram mais empregos, já conduzia grupos em Pardinho, agora também faço isso em Botucatu, com uma orquestra de violas e violões do Instituto de Biociências da Unesp”, conta feliz da vida.

E como reconhecimento dessa intensa trajetória, em 2022, Karoline Violeira foi premiada em duas categorias do Concurso Viola SP, que faz parte do programa #JuntospelaCultura da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, e reconhece o trabalho de violeiros contemporâneos e tradicionais. Realizada durante o Revelando SP, considerado o maior evento de Cultura Tradicional de São Paulo, Karol foi agraciada nas categorias “Viola Tradicional e Violeira Revelando”.

Como filha da Cuesta Paulista, região conhecida por ter sido um celeiro de grandes e importantes nomes da música raiz, como Carreirinho, Zé da Estrada, Angelino de Oliveira, Raul Torres, Tonico e Tinoco, entre muitos outros, Karol é também motivo de orgulho para toda a região.

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